plural

PLURAL: os textos de Juliana Petermann e Eni Celidonio

Trabalhe com o que você gosta
Juliana Petermann 
Professora universitária

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Até mesmo os ditados populares foram moldando nossa relação com o trabalho. Lá, estavam as ideias de que o trabalho dignifica e de que cabeça vazia é a oficina do diabo. Na minha época, o atual Ensino Médio se chamava PPT - Preparação para o Trabalho. Hoje, quando me deparo com certa incapacidade de descansar, parar, desacelerar, eu sei exatamente de onde vem isso. Somos engrenagem de uma sociedade que nos forjou máquinas de trabalho. Peças incansáveis de uma grande esteira de produção. E analfabetos em viver o ócio. Palavra que, inclusive, possui muitos dos seus sentidos amarrados a aspectos negativos, como preguiça e inoperância.

... E VOCÊ NUNCA MAIS VAI GOSTAR DO QUE GOSTA

O sociólogo Domenico De Masi defende que o ócio precisaria ser ensinado e que deveríamos aprender a aproveitar o tempo livre, porque é quando nos recarregamos, nos abastecemos? Vê, até as palavras vêm achando que somos máquinas, movidas a combustível, que recarregam de um lado, para performar de outro. O ócio precisaria ser pensado em si. 

Na minha área de atuação, a publicidade, muitas vezes, o ócio é visto como um momento para se abastecer de inspirações e referências, para, ora, vejam só, conseguir trabalhar de forma mais criativa e, portanto, mais eficiente. Nesse caso, o ócio só teria função como um método para o próprio trabalho. 

Não aprendemos sobre o ócio, apenas sobre o trabalho e que devemos amar o trabalho. No livro The Trouble With Passion, a socióloga Erin Cech analisa como a ideia de que devemos amar o nosso trabalho pode ser uma armadilha. Para ela, essa relação deveria estar mais sustentada em dignidade e menos em paixão.

POR QUE UMA ARMADILHA?

Em primeiro lugar, o pensamento altamente frustrante de que precisamos trabalhar com algo que amamos. Isso, infelizmente, não é possível para todos na sociedade em que vivemos, onde o trabalho existe para gerar lucro para alguém e não para fazer pessoas felizes. Em segundo, a ideia de que o trabalho deve ser feito com paixão, ainda que não ofereça benefícios reais como um bom salário, vínculo empregatício e estabilidade. Daí decorrem os clássicos "vestir a camisa" e "ter brilho no olho", slogans contemporâneos que retiram do trabalho a sua real função e o ressignificam como algo para o qual devemos nos doar. 

Em terceiro lugar, a ideia de que quem ama o trabalho pode viver para isso. Em resumo: o trabalho até pode ser fonte de felicidade, mas essa não pode ser a única, essa não pode ser a justificativa para mais trabalho e essa, infelizmente, pode não ser uma possibilidade para todas as pessoas.

Alunos*
Eni Celidonio
Professora universitária

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Não sei vocês, professores como eu, mas sempre me emociono quando encontro ex-alunos. Mesmo aqueles que me detestavam mexem comigo. Eu sei que é muita pretensão, mas sempre que eu encontro um ex-aluno que está em uma escola, cursinho ou mesmo numa faculdade dando aula, eu penso que fui responsável por pelo menos um pedacinho do que ele é hoje.

Tem momentos em que eu penso como meu aluno me enxerga, como ele me vê e levo cada susto! Certa vez, encontrei uma aluna com a mãe dela na rua e ela virou-se para a mãe e disse: "Olha mãe, essa é aquela professora que eu falei pra senhora, a que tem o cabelo todo colorido"! Dias e dias preparando aula, e ela só lembra do meu cabelo! Aff... E tem aquela que me encontra e fala: "Oi profe das camisetas maravilhosas!", ou ainda "Amo todos os seus óculos!", sério, como é que a gente convive com isso? Minhas aulas, falem das minhas aulas, caramba!

Esperando para ser atendida na sala de espera do meu dentista, de repente, uma porta se abriu, a moça me olhou, sorriu e me disse: "Oi, profe! Que saudade!", e eu fiquei olhando, parada, sem entender quem era aquela que me cumprimentava... Aí ela, vendo o meu desconforto, tirou a máscara, sorriu e me disse: "Fui sua aluna na oitava série do Sant'Anna, a senhora não lembra de mim?" É claro que me lembrava, é claro que eu sabia quem era, assim como eu sei perfeitamente pilotar um avião! Gente, eu fui professora da criatura quando ela tinha 13 anos, são 15 anos depois, eu envelheci e ela mudou, era uma menina e agora era uma mulher, dentista, mãe de um menino de quatro anos! Como eu poderia reconhecer?

Mas nada se compara ao que me aconteceu domingo. O sol deu as caras, combinamos com um casal de amigos subir a serra e almoçar lá no Paradouro 158. A temperatura convidava, a gente não saía mais por causa dessa pandemia miserável, estávamos com duas doses da vacina, teríamos todos os cuidados possíveis, Pronto! Vamos subir e almoçar com amigos queridos e conhecer o Gianluca, o pequeno "Biker".

Chegamos com as boas vindas do clima, sentamos à mesa que tínhamos reservado, pensei em pedir um chopp, já que não era eu que ia dirigir, e eis que ouço um "Oi profe, que é que manda?" Olhei, atentamente, para o dono daquela voz e juro que fui reprovada no teste. No mínimo, a criatura estava enganada, eu realmente não sabia quem ele era. Aí veio o golpe de misericórdia: "A senhora não se lembra de mim? Eu sou o Emerson, fui seu aluno aqui no Neíta Ramos, em Itaara, lembra? Na quinta série..."

Gente do céu! Eu saí da escola em 1990! Ele queria eu me lembrasse de 30 anos atrás! Eu, que já nasci desmemoriada, que tenho esclerose desde os dois meses, que esquecia onde colocava a mamadeira! Socorro! Eu me lembrava de um Emerson, mas era de um menininho de cabelo bem curto, sorridente, sempre de bom humor, mas, na minha frente, estava um homem de mais de 40 anos! Fala sério! Mas até que fiquei feliz, porque se ele lembra de mim 30 anos depois, é porque eu não despenquei tanto assim, né não?


*Este artigo foi originalmente publicado na edição de 17 de agosto de 2021.

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